Pular para o conteúdo principal

reflexões sobre educar.

Recebi um texto belíssimo e muito correto de uma jornalista  publicado numa revista semanal, falando sobre educação, preparo para a vida, limites, frustrações e felicidade. E veio mesmo de encontro aos meus pensamentos de inicio de ano letivo quando me encontro com os desafios de educar e formar, tanto como professora quanto como mãe. Educar  e formar acontece dentro e fora da sala de aula.
Na arte de lidar com pessoas moldamos e somos moldados reciprocamente. Não há um aluno que não te acrescente, não há uma aula dada que não se saia maior. Não há um dever de casa da alfabetização que não reavive o meu saber por um outro caminho, um outro viés. Um outro olhar sobre o aprender. É essa infinitude de vieis do aprender que me encanta.

Lido com crianças aprendizes das formalidades educativas há vários anos. E recentemente lido também com jovens homens em formação. Em toda situação o aprendizado acontece, mas nenhum deles ate hoje aconteceu percorrendo o mesmo caminho, embora as técnicas de ensino sejam mais ou menos as mesmas. Os insights necessários ao aprendizado vêm mudando ano a ano nas pessoas. Isso acontece sob meus olhos diariamente.

Também sob meus olhos acontece uma intransigência ao aceitar que as coisas mudam, e embora dominemos as técnicas, essas perecem. Mudam de numero, de formato de tamanho e tornam-se obsoletas. Nem por mal nem por erro. Apenas não servem mais. E isso tem sido difícil de aceitar. Mudanças são sempre desconfortáveis, a principio. Geram ansiedade, medo e também frustrações.

Temos visto ( vou pular o “temos nos conformado” que pensei incialmente em usar) crianças , jovens e adultos  utilizarem medicamentos - e claramente me refiro ao uso da ritalina, todos sabem, - para se adequarem aos moldes de comportamento e formas de ensino. Descartando (mesmo assim com algum receio, os casos comprovadamente patologicos, dos distúrbios de atenção), o uso da ritalina tem sido, ao meu ver, abusivo. O terreno é tão movediço  e delicado que  só neste parágrafo usei vários parentes, virgulas  e travesões... para dizer o que penso sem ferir ninguém...

Época de liberdades tolidas. De fragilidades emocionais abertas. De silêncios forçados. De palavras proibidas. De comportamentos inadequados. Tempo de incompreensão e solidão.
Tempo de inquietude. Tempo que antevê mudanças.
Tempo sem empatias. Tempos duros.

A forma autoritária de ensino, há muito foi deposta.  A forma vertical de ensinar deveria ter sido aposentada também. O castigo foi punido. Não damos mais a mão a palmatória. Visivelmente os olhos não captam barbaridades nas escolas. No entanto perceptivelmente as agressões e violências estão lá. Pulsando e gritando, violentando almas e sentimentos com força de palmatória. Estamos mais refinados.... Aprendemos sim ao longo dos anos.

Hoje as crianças nascem expostas a uma velocidade de comunicação muito mais veloz que quando nós nascemos ( não interessa a idade que você tem hoje). Como podem se adequar num ambiente de aulas expositivas, por vezes teóricas apesar dos 15 minutos práticos ao final, como recurso didático, ou experimentação, ou vivencia, ou o nome que a corrente pedagógica da moda nomear, cuja velocidade sequer aproxima do que elas percebem como comunicação? Não se acomodarão. Não sem pagar um preço alto.

Aquelas que por temperamento, ou por percepção social mais aguçada, conseguirem se comportar, e permanecerem na sala, caladas por 30 minutos esperando o tempo passar; fingirão que ouvem. Algumas realmente ouvirão hora aqui hora ali, adequando-se a regra social da sala de aula. Mas a que preço esse tempo de passividade foi gasto? Imagino quantos insights inteligentes e criativos se perderam nessa espera passiva.

Educar e aprender são dois processos indivisíveis. Obedecem regras sim, porém regras emotivas, de bom senso, de empatia, de cooperação, regras de amor ao próximo e tem limites também. Limites de humanidade, do que sou eu do que é o outro. Exigem respeito e não acontecem senão num ambiente amoroso. No mínimo respeitador. Respeitador de diferenças, de emoções, de opiniões, diferenças de verdades. Deve ser por isso que bons professores e bons alunos tornam-se de certa forma amigos, cúmplices do modificar um do outro.

Adequando velocidade comunicativa e amorosidade chego no que tento expressar como um ambiente favorável aos insights e descobertas necessárias no aprender e educar. O ritmo das pessoas envolvidas, dos assuntos e do ambiente, devem ser harmônicos, para que fisicamente aconteça uma ressonância, e um compreenda o outro, no conteúdo e na emoção. È uma questão de velocidade de transmissão. Curiosamente o mesmo principio de atuação da ritalina.

Fato que acompanho é que as crianças vem mudando a cada geração e cada vez menos vão prestando atenção a detalhes. Detalhes que, pensando bem, são realmente pouco importantes, que não justificam tanta energia, não justifica sequer um planejamento ou um pensamento sobre eles. Quiçá desenvolver uma síndrome do pânico ou um acesso de ansiedade por um futuro que todos sabem é incerto. Todos sabemos que o futuro é  incerto não sabemos?! E se é incerto porque preocuparmos excessivamente com ele? E de que adianta perder tanto tempo com detalhes, em essência, inúteis? As crianças, e sempre elas, iniciaram a mudança.

Essas novas gerações, geração de “mentes inquietas” estão nos mostrando escancaradamente que nossa forma de viver, de ocuparmos o mundo, de fazer arte, de nos relacionarmos; nossa estrutura social está obsoleta. Foi funcional, necessária  e útil por um tempo mas não é mais. Insistimos em permanecer nela e por isso adoecemos.

Guardamos tantas angustias e pensamentos que estocamos tudo em forma de obesidades, doenças, síndromes degenerativas etc. E desesperadamente, respaldado por cientificismos, cheios de certezas temporárias, levantamos fracas bandeiras “politicamente corretas,” teóricas  e inúteis.

 Nos lançamos a campanhas contra o corante, o conservante no lanche saudável na escola, como se o chocolate ou o prazer da batatinha frita fosse o vilão e não uma conseqüência de uma vida que tornou-se pequena e pouco prazeirosa, e os substituímos, orgulhosamente, por peras fétidas de agrotóxicos. Nos perdemos nos  nossos detalhes diários e  esquecemos de ver o todo, de perceber o que é essencial. Vida mesquinha, limitada, reta, pobre, incoerente e sem encantamento; difícil de ser aceita por essa geração que traz  ampla sede de viver, sentir e aprender, imensa vontade de mudança; “mentes inquietas” demais.

Nesse ponto nada nos diferenciamos das crianças que voltam do colégio com os sapatos mas sem as meias, e quando os pais perguntam pelas meias elas responde: “meias?  Que meias? eu fui de meia hoje? Nossa tá tão quente. Nem sei..”  Os pais se perdem em broncas e lições de moral “...que meia custa dinheiro” e sobre cuidados com ele e seus pertences, enquanto o filho sai andando pela casa procurando a mariposa que saiu da lâmpada naquele instante e que parecia uma estrelinha brilhando dentro de casa. Buscando algum encantamento, dá as costas para os pais que percebem, com medo e espanto e desespero que a blusa do uniforme está do lado avesso...   e “só remédio pra dar jeito”. Frustrações.

A sala de aula e o educar em si, preparam a vida que virá. Nesse processo professores, familias e alunos são engenheiros e arquitetos do que vira. Nesse conjunto não há espaço pra covardias, soberbas nem certezas absolutas. A cooperação, o entendimento, a arte, a beleza e a valorização do que é relevante na vida está em discussão. E o que é isso, o futuro dirá.

 Obvio está , estamos vivendo um momento de mudança. Mudança lenta, feita a passos cuidadosos, como é toda mudança humana. Gradual e para frente. Sempre pra melhor, apesar dos pessimistas e saudosistas de plantão. Os ajustes estão sendo feitos constantemente; com acertos e erros, avanços e recuos; como deve ser. Como é a vida. E tudo bem ser assim. Evoluímos lentamente, sem rasgos de dor. Com o cuidado amoroso do tempo necessário de não jogar fora todo o trabalho de uma geração na frente deles. Com o tempo devido de apreender o pensamento anterior e dele beber, nele inspirar, para o próximo insight criativo brotar. Certeiro, construído ao longo das gerações.

Esse tempo lento de mudança respeitosa, nada tem de conflitante com o aumento da velocidade de comunicação dentro da sala de aula defendia nos parágrafos anteriores.  É justamente essa lentidão em saborear as mudanças humanas que permite a comunicação  ser veloz. Uma vez entendido o conceito, sua transmissão, sua comunicação é rápida e eficaz.

Nesse momento defendo o lento tempo da contemplação. Contemplação simples. A convivência diária, as trocas pessoais que a convivência amistosa proporciona, o tempo jogado fora juntos, o silêncio dos ambientes, o barulho da natureza. Tudo no seu devido tempo e na sua devida hora. Há tempo de comunicar e tempo de contemplar. Assim como escrever a letra A requer uma contemplação visual, auditiva, espacial e emocional prévia do A. Assim como pra falar primeiro compreendo, pra andar primeiro engatinho, pra dar, recebo e pra compartilhar, possuo.

Esse contemplar pra apoderar-se, deve estar presente na sala de aula e em todo o processo educativo. Essa quietude pode ser ligeira para uns e rápida para outros, mas sem ela nenhum conhecimento se firma, nenhum aprendizado acontece, nenhum insight criativo é possível.  Um desafio, reconheço, esse contemplar, no meio de excessos. Excessos de luz, de cor, de volume, de informação. Mas ainda possível na rotina de estender calmamente o lençol da própria cama todos os dias.
O contemplar, com o tempo, também é possível em ambientes de excessos. Quantas vezes os adolescentes não ligam a tv, o radio e internet e ainda lêem uma revista enquanto mandam uma mensagem pelo celular? A contemplação está presente ai sim. No belo, no ritmo, nas cores, no sentir prazer, na seleção e escolha dos focos de atenção; Em centrar-se em si mesmo enquanto o mundo a volta fervilha. Nós, não acostumados a essa velocidade, estranhamos. Não temos o desprendimento e o amadurecimento adolescente dessa nova geração de, apesar do volume  desmedido, usar fones de ouvido nestes momentos. Contemplar é um exercício diário assim como a empatia.

A formula certa de como educar nunca será alcançada pois é da nossa natureza estarmos em constante mudança. Concordo e reforço que educar é por limites, orientar; envolve frustrações e que educar bem não garante sucesso futuro. E discordo que educar não é garantia de felicidade. Educar é permitir o aprender, deixar inferir, conhecer. E conhecer é sempre fonte de satisfação e felicidade. Felicidade pura, sem vínculos materiais. Prazer da alma. E ter prazer na alma, é estar preparado para a vida. Essa sim uma formula certa e atemporal.

Enquanto vamos experimentando na educação e nas suas formas de ensino, aposto nas novas gerações e abro os ouvidos e os olhos para o que elas trazem. Com a violência no uso da ritalina ou sem ela, as mudanças acontecem. É inevitável. Aguardo e promovo mais respeito e amor ao educar. Por enquanto penso que o relógio na parede na sala de aula nunca deve sair da visão dos alunos. Oferecem no mínimo oportunidade contemplativa, aqueles ponteiros dos segundos, que não se aquietam.

Aceitar, entender e acreditar que cada um tem seu ritmo e modo de aprender, é um desafio que essa geração nova nos apresenta. E que presente poder conviver e viver com essas novas e revolucionarias pessoas! Seres humanos que valorizam mais a cooperação, a emoção, os laços de amizade muito mais que o ter e o produzir. Uma geração de essências e não de objetos e objetivos imediatos. Uma geração de e a longo prazo. Geração que constrói com ligas humanas a humanidade e traça os caminhos futuros em princípios e não em matérias. Caíram os muros , as fronteiras, as barreiras...isso é obvio. Como não ser a hora de uma geração diferente imperar? O uso de medicamento é uma tentativa insana de barrar o novo. Na minha opinião.

Prevejo o futuro onde não mais um terço das crianças sejam medicadas, mas onde um terço delas não serão medicadas, para então o novo padrão vencer e exigir por maioria, uma nova forma de educar, ensinar e se relacionar.

Enquanto isso como educadora em todos os sentidos, aguardo e contemplo um futuro de um mundo melhor enquanto pequenos e grandes revolucionários experimentam as bases do nosso “futuro mundo novo” no meu pequeno e vasto território entre consultório fonoaudiológico, sala de aula e a vida. Mártires e heróis de uma revolução de valores padrões e comportamentos. Lá do alto, onde não conseguimos enxergar, são pessoas felizes. Inadequadas as aflições pequenas nossas do dia a dia. Eduquemo-nos -as pois.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Recursos vocais para professores

Os recursos vocais podem ser usados na sala de aula pelo professor, usando as técnicas intencionalmente, com objetivo de otimizar, facilitar e conduzir a atenção e aprendizagem do aluno. As técnicas vocais também auxiliam na saúde vocal do professor. A aprendizagem acontece na integração das informações captadas pelos sentidos e processadas pelo cérebro. Toda aprendizagem traz em  seu bojo um conjunto de emoções. Cada pessoa prioriza um canal de entrada específico e apreende o mundo e as experiencias nele vividas. Priorizar um sentido não significa excluir os demais. Fazemos uma percepção global que envolve todos os sentidos: a audição,   a visão, o olfato,  a cinestesia. O professor deve ter em mente a diversidade das habilidades dos seus alunos e pode explora-las com técnica direcionada na sua forma de falar. (Conforme a intensão do momento). Todos esses sentidos que captam as experiências intrínsecas do mundo onde estamos inserido e provocam emoções. São essas emoções que fixam a ap

dois oradores

           Podemos observar diferenças de estilos e de estratégias nos dois oradores   ( aqueles q abordamos em aula e que peço que não mencionem   os nomes, por favor). Estou usando-os porque para nós foram exemplos vivos de boa oratória. Vamos iniciar ressaltando que são duas pessoas bem diferentes no estilo de ser, o que reflete obviamente no estilo de falar. Ambos muito bons.   O primeiro abordou um assunto muito explorado, que já trás no bojo pré conceitos por parte da platéia. O segundo   trouxe um assunto   que pôde ser aprofundado e não contava com um pré conceito da platéia.   Daí, pudemos ver a diferença no comportamento dos oradores ao responderem as perguntas. O primeiro não pôde respaldar-se totalmente no seu discurso porque não pôde aprofundar como a platéia exigiu nas perguntas. O segundo como explorou mais e em profundidade, estava mais didático, com intuito de ensinar realmente, pôde responder fazendo referências ao próprio discurso com mais facilidade que o primeiro.