No conto Mil e uma noites, temos um agrupado de contos orientais que mostram valores, condutas e hábitos da região na época em que foram compilados. Pode-se fazer um paralelo com os contos dos irmãos Grimm que reuniram os contos orais mais populares da europa e os reescreveram. Também Shakespeare coletou as estórias orais e as encenou, reescrevendo-as com grande talento poético onde a métrica, a rima e a sonoridade estão presentes como uma forma prazeirosa de ouvir a estória encenada. Sobre isso recomendo os estudos de Paul Zumthor. Todos os contos de fada, e estórias tem uma razão de se perpetuarem historicamente, e para quem se interessar, recomendo os trabalhos de Clarisse Pinkola sobre os contos.
Nos contos de sherazade, podemos destacar pontos de comunicação que são usados hoje com eficiência.
Um deles é a curiosidade. O interesse.
Manter a curiosidade no discurso pela entonação da voz- a melodia- grantir o deenrolar dos fatos ligados um ao outro de forma que o ouvinte se envolva na narrativa e aguarde o próximo passo da narração. Esse envolver-se foi o que sherazade fez com o rei. Parou no momento de curiosidade e o manteve absorvido e aguradando o próximo desfecho que por sua vez não encerra a estória ate que complete as mil e uma noites. Não revelar tudo de forma explicita e sem ornamentos. Ligar um fato ao outro. Fazer conexões lexicais, usar os arcos semânticos, redizer de formas diferentes e acada forma dita deixar entrever uma possibilidade diferente de desfecho.
Use as ferramentas de: vocabulário, arquiteturas frasais.
O outro é a absorção. O envolvimento.
A narrativa deve estar emocionalmente carregada de verdade, de realidade para que o interlocutor se veja nela, se identifique com a narração e assim se entregue a ela, saboreando cada trecho. Aí está o poder das entrelinhas, onde a leitor, ou o caso o ouvinte se deixa fisgar, voluntariamente, pela estória, e divaga em seus pensamentos e sensações próprias. Neste ponto o orador deve encantar seu ouvinte, ou pelos fatos, ou pela forma de falar.
Use as ferramentas: volume, entonação, tom de voz, ritmo, domínio das pausas.
Mais um aspecto é o tempo. O ritmo.
A narrativa deve ter seu tempo próprio. Um dar linha e recolher a linha. Uma sedução do oferecer e retirar não completo. Entrar em sintonia entre o ouvinte o e falante. Perceber sua platéia ou ouvinte e dar tempo de assimilação do conteúdo. Através da narração o rei teve tempo de aquietar-se, ver-se, e livrar-se do seu medo de ser traído e do seu desejo de vingança pelo espelho oferecido na narrativa de sherazade. Tanto que no seu tempo curou-se e pôde enxergar saída para sua dor de traído, elaborando-a.
Use as ferramentas: ritmo, pausas e muita sensibilidade em perceber o outro (empatia, mais uma vez).
O último, e só pra não estender demais, é a dinâmica do diálogo.
Quando sherazade convence-se que sua narrativa “curou” o rei, ou seja, quando ela o persuadiu, o convenceu, ela então se oferece para morrer. Esse é o memento de passar a bola, e dizer: “ok, agora é sua vez de falar já que eu terminei minha fala. Agora posso ouvir”, tanto que não teme morrer. Ela confiou na eficiência do tempo de narrativa, do encantamento _ no livro o olhar do rei é destacado. ( olha o olhar como mediador do diálogo ai novamente). A confiança a cumplicidade entre os dois já estava estabelecida e podemos ver isso quando sherazade desaparece e retorna sem que o rei percebesse ou se incomodasse com sua ausência.
Use as ferramentas: verdade, cumplicidade, escuta.
Pra finalizar temos, o premio a quem ouve. Reconhecimento.
Nesse instante em que o rei não está mais na defensiva, pois esteve por mil e uma noites absorvido no ouvir, no seu pensar e re-elaborar interno, ganha o maior premio que um rei poderia ganhar: 3 filhos homens. Podemos inferir que o ouvir nos enriquece então.
( olha ai a escuta de novo)
Neste instante sherazade o premia com os 3 filhos varões e ainda coloca-se ao seu lado, ocupando ambos o mesmo patamar, no simbolismo do casamento, os iguais, os pares, se encontram. Dê para receber.
Doe conhecimento, emoção, entregue-se ao discurso oral senão ele não funciona.
Use as ferramentas: doação; comprometimento e reconhecimento.
Mil e uma noites é riquíssima. Dá pra passar horas falando sobre ela, mas didaticamente esses pontos aplicados no discurso (interesse, envolvimento, ritmo, dinâmica de dialogo e reconhecimento) são suficientes quando dominadas suas ferramentas (vocabulário, arquiteturas frasais; volume, entonação, tom de voz, pausas; ritmo, empatia; cumplicidade, escuta, doação; comprometimento e reconhecimento). Dá pra aplicar nas nossas falas profissionais com êxito.
Uma aula de competência comunicativa muito antiga... termo novo para um encantamento antigo. O encantamento das palavras.
Resumo: ( esse eu peguei da net na base do crt c, ctr v so pra faciliar a vida)
Mil E Uma Noites: A História Da Rainha Sherazade
(KERVEN, Rosalind)
(KERVEN, Rosalind)
Num distante País vivia um homem bonito e honrado, esse rei, de nome Shariar, já havia sido muito feliz, sem saber que sua esposa guardava um terrível segredo: apesar de fingir que o amava, ela na verdade estava apaixonada pelo servo mais indigno da corte. Um dia Shariar casualmente a surpreendeu num canto escuro do palácio nos braços do amante. Transtornado pela dor e pelo espanto, o soberano soltou um grito medonho e sacou da espada para cortar a cabeça da mulher infiel e do servo desleal. Pouco tempo mais tarde um cavalo parou na frente do palácio, e o irmão do rei, Shazaman, entrou para visita-lo. Mas é inacreditável! Shazaman exclamou. Pois pouco antes de partir a mesma coisa aconteceu comigo! Encontrei minha esposa beijando um de meus servos e, como você, também puxei a espada e cortei a cabeça dos pérfidos. Dias depois Shazaman voltou para seu reino, e Shariar ficou postado junto à fonte, contemplando as águas límpidas com um olhar pensativo. Por fim fez um juramento terrível: Amanhã à noite vou me casar de novo, mas não permitirei que minha mulher desfrute os privilégios de rainha. Pois, quando o dia clarear, mandarei executa-la. Na noite seguinte tomarei outra esposa e ao amanhecer ordenarei que a eliminem. E assim hei de fazer sucessivamente até que não sobre neste reino uma única representante do gênero feminino. Dito e feito. Toda a noite ele escolhia uma nova esposa e toda manhã mandava a infeliz para a morte. Seus súditos viviam apavorados, temendo perder filhas, irmãs, netas. Muitos fugiram para outros reinos, e por fim restou nos domínios de Shariar uma só noiva disponível. Tratava-se de Sherazade, jovem de alta estirpe, filha do primeiro-ministro do soberano. O pobre homem se encheu de pavor e tristeza ao saber que ela estava condenada à morte. Sherazade, no entanto, não se desesperou. Era mais sábia e esperta que todas as suas predecessoras, e junto com a irmã caçula elaborou um plano meticuloso. Terminada a breve cerimônia nupcial, o rei conduziu a esposa a seus aposentos, mas, antes de trancar a porta, ouviu uma ruidosa choradeira. Oh, Majestade, deve ser minha irmãzinha, Duniazade, explicou a noiva. Ela está chorando porque quer que eu lhe conte uma história, como faço todas as noites. Já que amanhã estarei morta, peço-lhe, por favor, que a deixe entrar para que eu a entretenha pela última vez! Sem esperar resposta, a jovem abriu a porta, levou a irmã para dentro, instalou-a no tapete e começou: Era uma vez um mágico muito malvado.... Furioso, Shariar se esforçou ao máximo para impedir a narrativa; resmungou, bufou, tossiu, porém as duas irmãs o ignoraram. Vendo que de nada adiantava sua estratégia, ele ficou quieto e se pôs a ouvir o relato de Sherazade, meio distraído no início, profundamente interessado após alguns instantes. A pequena Duniazade adormeceu, embalada pela voz suave da rainha. O soberano permaneceu atento, visualizando mentalmente as cenas de aventura e romance descritas pela esposa. De repente, no momento mais empolgante, Sherazade silenciou. Continue!, Shariar ordenou. Mas o dia está amanhecendo, Majestade! Já ouço o carrasco afiar a espada! Ele que espere, declarou o rei. Shariar se deitou e logo dormiu profundamente. Despertou ao anoitecer e ordenou à esposa que concluísse o relato, mas não se deu por satisfeito. Conte-me outra, exclamou. Sherazade sorriu e recomeçou: Era uma vez.... Novamente o sol adiou a execução. Quando Sherazade terminou, ela a mandou contar mais uma história. E assim a jovem rainha: conseguia postergar a própria morte. De dia o rei dormia tranqüilamente, à noite, acordava sempre ansioso para ouvir o final da narrativa interrompida e acompanhar as peripécias de mais um herói ou heroína. Já não conseguia conceber a vida sem os contos de Sherazade, sem as palavras que lhe jorravam da boca como a música mais encantadora do mundo. Dessa forma se passaram dias, semanas, meses, anos. E coisas estranhas aconteceram. Sherazade engordou e de repente recuperou seu corpo esguio. Por duas vezes ela desapareceu durante várias noites e retornou sem dar explicação, e o rei tampouco lhe perguntou nada. Certa manhã ela terminou uma história ao surgir do sol e falou: Agora não tenho mais nada para lhe contar. Você percebeu que estamos casados há exatamente mil e uma noites?? Um ruído lhe chamou a atenção e, após uma breve pausa, ela prosseguiu; Estão batendo na porta! Deve ser o carrasco. Finalmente você pode me mandar para a morte!. Quem entrou nos aposentos reais foi, porém, Duniazade, que ao longo daqueles anos se transformara numa linda jovem. Trazia dois gêmeos nos braços, e um bebê a acompanhava, engatinhando. Meu amado esposo, antes de ordenar minha execução, você precisa conhecer meus filhos, disse Sherazade. Aliás, nossos filhos. Pois desde que nos casamos eu lhe dei três varões, mas você estava tão encantado com as minhas histórias que nem percebeu nada... Só então Shariar constatou que sua amargura desaparecera. Olhando para as crianças, sentiu o amor lhe inundar o coração como um raio de luz. Contemplando a esposa, descobriu que jamais poderia matá-la, pois não conseguiria viver sem ela. Assim, escreveu a seu irmão e lhe propondo que se casasse com Duniazade. O casamento se realizou numa dupla cerimônia, pois Shariar esposou Sherazade pela segunda vez, e os dois reis reinaram felizes até o fim de seus dias.
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