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Paul Zumthor: Uma Fronteira Tênue Entre A Voz E A Letra

 
Esse resumo do livro " A LETRA E A VOZ" de Paul Zumthor, que eu adoro, e por isso compartilho, eu tirei da net, e infelizmente não tinha nome do autor; Então reforço as aspas.
vai la na alma quando ele escreve: "se existisse uma ciencia da voz..." existe grande zunthor, chama-se vocologia....

"Durante algum tempo em nosso país, o suíço Paul Zumthor foi o menos popular, o menos estudado, o menos compreendido e estimado na pesquisa literária. Suas obras sempre estiveram vinculadas às ciências da linguagem e da comunicação.
No entanto, Zumthor, ao trazer a voz e a oralidade para dentro da escrita, oferece ao âmbito literário novas perspectivas de leitura e análise à medida que distingue o conceito de voz e de oralidade na literatura medieval.
É precisamente isso que ele mostra em sua obra A letra e a voz: a "literatura" medieval, particularmente nos capítulos VI, VII, XI e no posfácio. O livro foi publicado pela editora Companhia das Letras, em 1993, com tradução de Amálio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira.
Nesse estudo, Paul Zumthor afirma que, se houvesse uma ciência da voz, ela não estaria centralizada em uma única forma de conhecimento, pois deveria abranger, em princípio, a fonética e a fonologia, além da antropologia, da História e da psicologia da profundidade.
Em seu estudo, o teórico refere-se à voz do ser humano real, e não à do discurso, uma vez que o texto literário é uma voz que está dentro de um suporte escrito, portanto mediado ele já é uma representação.
Ao pesquisar algumas vozes para analisar a poesia oral e a vocal, Zumthor escolhe a Idade Média, pelo fato de esse período apresentar uma fronteira muito tênue com a voz, haja vista a literatura medieval ser contada e oralizada antes de escrita.
A maneira com que Zumthor desenvolve o assunto nos traz um grande impacto, principalmente ao afirmar que a voz não se reduz à palavra oral. Tal conceito remete à questão da palavra oral como qualidade simbólica da voz; já o tom, o timbre e a altura se apresentam como elementos não lingüísticos e de qualidade material.
Da mesma forma, Zumthor diferencia a voz cotidiana (popular), por sua dispersão, efemeridade e pragmatismo, ao reduzir-se, enquanto presença corporal, da voz poética (erudita), que por natureza concentra a intensidade do acontecimento para estimular e singularizar a voz enquanto presença corporal, a fim de enfatizar sua "carnalidade" (termo usado por Zumthor) e duração.
Vale dizer que o teórico, ao tratar da voz e de suas artes, não a divide em popular e erudita, pois não existe uma supremacia entre elas. Zumthor apenas questiona o que é cultura popular e cultura erudita.
A avaliação dos elementos que compõem os dois tipos de voz proporciona uma maior compreensão para a questão da performance.
Diretamente vinculada à voz poética, a performance é uma ação oral- auditiva pela qual a mensagem poética é simultaneamente transmitida e percebida, no tempo presente, em que o locutor assume voz, expressão e presença corporal (física), enquanto o destinatário, que não é passivo, também se inclui como presença corporal dentro da performance. Tais relações promovem uma importante compreensão sobre a escrita poética, considerada como linguagem secundária, pois como signo gráfico representa as palavras em ação e voz, que, ao utilizar a linguagem, não fala apenas sobre algo, mas se inclui naquilo que diz, dispondo-se como presença e performance.
Aspecto de relevância nos estudos de Zumthor são os vocalises, componentes da língua cultural que emergem da voz, do elemento vocal. Os vocalises são como "acordes" (se pudermos considerá-los assim), não lingüísticos, contudo, criadores de presença e de sentido. Esses elementos não são palavras, não são língua nem voz, porém suscitam uma presença no vazio e no silêncio. Consideramos a possibilidade do silêncio como vocalise, porque o silêncio não é ausência de informação, mas, sim, intervalo de presença, pois as probabilidades do vazio são imprescindíveis. Aliás, Zumthor acredita que a voz nasce de um espaço silencioso e depois retorna para o mesmo.
Os vocalises, embora não sejam palavras oralizadas, têm sentido enquanto presença corporal, portanto performática.
Outro ponto importante nos estudos de Zumthor é a presença da fala oral na enunciação, que se aproxima dos elementos palavra e voz. Dessa forma, entende-se que a fala oral se aproxima da palavra, por ser um elemento lingüístico, e da voz, por apresentar tom, ritmo e presença corporal, que na escrita apresenta diferentes implicações de enunciação.
Como demonstra o título da obra em questão, a proposta do estudo da "letra" e da "voz", apesar de estar vinculada à literatura medieval, apresenta questões fundamentais para a compreensão da narrativa contemporânea, que advém da fala oral na enunciação. Temos como exemplo o narrador que, ao se apresentar como intérprete, investe-se da autoria e coloca em crise a mediação e a assinatura autoral.
Essa proximidade entre narrador, intérprete e autor instaura-se pela presença do performativo, em que a história se aproxima da narração, pois através da leitura silenciosa, mediada pela escrita, a fala oral é atualizada e setorna presente no momento da leitura. Dessa forma, as relações traçadas entre escrita, voz e fala fazem com que o discurso performativo seja o próprio acontecimento; logo, o acontecer não está fora do discurso, mas sim nele mesmo, na ação que se faz presença.
No que concerne à escritura, Zumthor estabelece uma diferenciação importante entre texto e obra, pois a obra está em constante movimento, transcende o texto pelo que é poeticamente comunicado no tempo presente da leitura – sonoridade, ritmo, elementos visuais convidam o leitor não só à leitura, mas também a interagir corporalmente com a obra, à medida que apresenta a palavra encenada num ato dialógico entre o leitor e o texto.
Para Zumthor, o termo obra compreende a totalidade dos fatores da performance, na qual o discurso se torna gesto não-verbal, e aquilo que é palavra torna-se não-palavra.
No caso do texto, o teórico o entende como uma estrutura fixada pela escrita impressa, que mantém o mesmo texto, cuja seqüência lingüística é fechada, legível, de sentido global e de tempo efêmero.
Fato interessante a ser observado é que, se o texto é legível e a obra é, ao mesmo tempo, audível e visível, essas diversas qualidades não são simétricas ou comparáveis, mas estabelecem uma relação, pois, do texto, a voz em performance extrai a obra. É o texto que guarda em si as virtualidades da voz, porém só no momento de "atualização" a obra é corporificada.
Nesse sentido, a atualização sempre implica em movência, variação entre o texto escrito e o corpo virtual, que é voz e presença, criado pelo intérprete. Na movência, o que permanece é o arquétipo (texto escrito), diretamente ligado à tradição, enquanto a atualização varia a cada nova leitura. Sendo assim, a variação acontece sempre no tempo presente, já o arquétipo não. Conclusões como essa foram possíveis após a leitura dessa obra de Zumthor, que traz as informações necessárias para um aprofundamento reflexivo mais seguro.
Por esse contexto, entende-se que a voz só pode ser capturada em movência, no movimento entre o texto e a obra, na relação entre o que está escrito e a atualização. O texto fixado pela escrita impressa sempre será o mesmo, mas, enquanto voz e atualização, ele sofre mutações. Elemento fundamental para compreender como colher os índices de vocalidade numa escritura poética é a performance, pois a captura da voz não está no significado semântico do texto, mas na ação materializadora do discurso poético, na maneira como ele é transformado em voz.
Além disso, Zumthor considera a intertextualidade e a intervocalidade como elementos de movência. Para o teórico, a intertextualidade não é apenas o texto escrito, mas também a presença de uma voz que "fura" o discurso e atualiza a obra. Dessa forma, o texto é o mesmo, mas a obra e a voz não.
Já a intervocalidade implica movência do texto no espaço-tempo que o modifica na atualização. O teórico chama de intervocalidade porque o texto é o mesmo aparentemente, porém, quando atualizado, ele ultrapassa o espaço-tempo e recebe nova atualização. A intervocalidade é a voz que faz um caminho no tempo e no espaço e carrega consigo a voz da tradição, que ao atravessar os tempos apresenta outra intenção, pois o lugar de onde se olha o texto foi modificado, e a atuação vocal diante dele mudou.
Em suma, a performance é uma fronteira tênue entre a voz e a letra, em que os diversos elementos que a compõem – oralidade, movência, texto, arquétipo, vocalidade etc. – oscilam no tempo e no espaço. Embora apenas o leitor especializado tenha contato com essas informações, a performance, por ser encenação, também envolve o leitor não-especializado na emoção da leitura. Como afirma Zumthor, "é o todo da performance que constitui o lócus emocional em que o texto vocalizado se torna arte e donde procede e se mantém a totalidade das energias que constituem a obra viva". A performance é sempre aberta ao acaso e nômade por natureza.
Paul Zumthor mostra nessa obra não somente a trajetória dos estudos de voz e oralidade na literatura da Idade Média, mas também nos oferece suporte teórico para a compreensão das narrativas contemporâneas. O teórico, com seu pioneirismo nos estudos da performance, apresenta-nos uma obra complexa e instigante, que traz com justeza informações relevantes sobre os elementos performativos de um texto literário e, ao mesmo tempo, deixa índices para novas pesquisas e descobertas no âmbito dos estudos da voz."

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